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Parabéns! Acabou de fazer uma compra certificada pela ciência.


Quem já não se deparou com o dilema entre comprar um alimento biológico ou o seu equivalente convencional? É uma escolha difícil, sobretudo por um critério importante: o preço.

Mas será que o problema reside no preço do produto biológico ou no preço do produto convencional?

De acordo com a FAO, os produtos biológicos tendem a ser mais caros pois a complexidade e diversidade de agentes envolvidos neste tipo de produção, dificulta o recurso a técnicas de redução de custos (economias de escala, por exemplo).

Por outro lado, no preço dos produtos biológicos são internalizados aspectos ambientais, sociais e de saúde pública que os tornam mais caros relativamente aos convencionais.

Nesta perspectiva, comparar preços de produtos oriundos de sistemas tão diferentes parece ser injusto...

Talvez. E é também injusto que os consumidores se abstenham de fazer melhores escolhas por uma questão de equilíbrio financeiro. Mas será que a consequência desse equilibrismo resulta em maiores custos futuros?

Se parece ser consensual que o planeta sai beneficiado pela adopção de práticas de cultivo/exploração biológicas...e nós? Seremos muito mais saudáveis se consumirmos alimentos biológicos? Ou o seu preço elevado conduz a uma percepção errada do seu real valor?

Em Dezembro de 2016 o European Parliamentary Research Services publicou um relatório no qual foram revistas as mais recentes evidências científicas do impacto do consumo de alimentos biológicos na saúde humana.

Como o relatório não foi muito difundido nas notícias, fazemos aqui um apanhado das principais conclusões.

O que dizem os estudos ?

Segundo o relatório, existem poucos estudos que tenham investigado directamente o efeito do consumo de produtos biológicos na saúde.

Alguns estudos observacionais (PARSIFAL, KOALA, ALADDIN) mostraram que uma dieta composta por alimentos biológicos resultou num menor risco de alergias e doença atópica em crianças (a população estudada).

Noutros estudos (realizados em adultos), o consumo de alimentos biológicos foi associado a:

As típicas limitações dos estudos observacionais em lidar com as inúmeras variáveis de confusão (nomeadamente outros comportamentos ligados a um estilo de vida saudável), tornam difícil isolar o efeito do consumo de alimentos biológicos na saúde de quem os consome.

Pese embora a ausência de ensaios clínicos em humanos, que estudem directamente o efeito do consumo de alimentos biológicos na saúde, alguns estudos analisaram o impacto de dietas convencionais e dietas biológicas, em marcadores de saúde. Os resultados dos estudos analisados não foram conclusivos devido a factores como limitado número de participantes e reduzida duração das experiências.

Outra via de investigação consiste na utilização de células humanas para realizar experiências in vitro. Neste campo, o relatório destacou dois estudos, nos quais foram utilizadas células de cancro. Num estudo observou-se que os extractos (de morangos) de origem biológica foram mais eficazes em bloquear a profileração de células de cancro (cólon e mama) e noutro, verificou-se uma maior actividade anti-cancerígena da versão biológica de um sumo de beterraba.

Parece promissor. Mas a não utilização de células de controlo (células saudáveis) limita a conclusão sobre o real efeito benéfico dos biológicos. Segundo os autores do relatório, apenas se verificaram diferentes reacções in vitro induzidas pelo tipo de extracto utilizado, e que mais estudos são necessários.

Estudos realizados em (outros) animais sugerem um efeito positivo de uma alimentação biológica, nomeadamente no que se refere à imunidade e fertilidade/fecundidade. Mas extrapolar resultados obtidos em aves e roedores para humanos é também um enorme passo.

 

Por outro lado, a questão da exposição a pesticidas via alimentação, tem sido amplamente investigada. Os resultados de vários estudos mostraram, de forma consistente, uma menor concentração de pesticidas na urina de adultos e crianças que consumiam alimentos orgânicos, relativamente aos que consumiam alimentos convencionais.

Não será uma surpresa já que a utilização de pesticidas na produção biológica é bastante limitada em quantidade - apenas 35 da lista de 389 substâncias aprovadas pela União Europeia; em toxicidade - a maior parte possui baixa toxicidade (à excepção das piretrinas e do cobre); e utilização - muitos são usados apenas em armadilhas e não directamente nas plantas e/ou no solo.

Assim, uma grande vantagem da produção biológica é o uso restrito de pesticidas químicos o que resulta em menores níveis da concentração destas substâncias nos alimentos e consequentemente menor exposição daqueles que os consomem.

[Ainda assim, no grupo dos convencionais, existem alimentos mais e menos contaminados por pesticidas.]

E nutricionalmente falando?

Do ponto de vista nutricional, pelo menos no que toca a vitaminas e minerais, os estudos apontam para que não existam razões para preferir alimentos de origem vegetal provenientes de agricultura biológica ou...vice-versa (!). O teor em vitaminas e minerais parece não ser significativamente afectado pelo sistema de cultivo utilizado. No entanto, vegetais biológicos apresentam cerca de 20% mais compostos fenólicos (substâncias com propriedades antioxidantes) que os convencionais e menos cádmio (principalmente os cereais), o que poderá tornar o seu consumo mais apelativo.

E os alimentos de origem animal?

A produção biológica de produtos animais está sujeita a regras específicas no que respeita à alimentação e confinamento. A maior parte dos países da União Europeia não possui requisitos mínimos equivalentes para a produção convencional, na qual a tendência é concentrar os animais no menor espaço possível e alimentá-los de forma a obter elevadas taxas de crescimento.

Se o nosso estilo de vida e a nossa alimentação afectam a nossa composição corporal e a nossa saúde, o mesmo se passará com os animais explorados? Sim. Observou-se que o tipo de regime alimentar induz variações ao nível da composição de ácidos gordos de alguns produtos. Foi inequivocamente demonstrado que leite e lacticínios biológicos apresentam maior teor de ácidos gordos ómega 3, consequência de um regime alimentar rico neste composto (maioritariamente pasto e forragem). Situação semelhante poderá suceder com os ovos e a carne biológicos, mas, para já, existem menos evidências.

E os antibióticos?

Ambos os sistemas de produção os utilizam e dado que os animais, durante e após o tratamento, apresentam resíduos destas substâncias (na carne, no leite), só se consideram aptos para consumo após um período de segurança, definido pelo fabricante.

Na produção convencional os antibióticos são utilizados para tratar doenças clínicas e subclínicas (sem sintomas). Até 2006 era possível utilizar estas substâncias como aceleradores de crescimento e apesar de actualmente a sua utilização com esse objectivo específico estar interdita, o tratamento profiláctico de infecções subclínicas é substancial, podendo mascarar outros fins...

Na produção biológica o uso de antibióticos está limitado ao tratamento de doenças e a gestão da saúde assenta na prevenção, nomeadamente pela menor densidade de indivíduos, e existência de espaços exteriores, onde os animais podem exibir comportamentos "naturais" próprios da espécie, exercitar-se, alimentar-se.

Em suma, ambos os sistemas utilizam antibióticos, apesar da utilização mais restrita no sistema biológico e de este possuir condições menos favoráveis ao desenvolvimento de doenças, logo menor necessidade de serem empregues. Os estudos que compararam os dois sistemas de produção, confirmaram essa utilização em menor escala, por parte da produção biológica.

Voltando ao dilema inicial...

Sabemos que a produção biológica tem impactes positivos no ambiente, na sócio-economia, na saúde pública e que esses benefícios, ao não serem considerados na produção convencional, fazem com que os seus produtos acabem por "sair mais em conta". No entanto, quando somadas todas as dimensões, talvez não sejam assim tão baratos.

Os produtos biológicos de origem vegetal aparentemente não são nutricionalmente superiores aos convencionais, mas têm a vantagem de neles serem usados muito menos substâncias tóxicas.

Já os produtos biológicos de origem animal parecem ter algumas vantagens nutricionais, que dependem essencialmente do tipo de regime alimentar escolhido. Também é relevante o facto de neste sistema serem utilizados menos antibióticos.

Os critérios utilizados nas escolhas são muito pessoais: há quem procure exclusivamente garantir a sua saúde, quem para além da sua, se preocupe com a saúde de todos (planeta, outros animais), quem se questione se vale a pena consumir determinado alimento biológico vindo de longe ou o equivalente local, ainda que não biológico...e quem se preocupe com tudo isto (e mais alguma coisa!).

O facto é que, independentemente da escolha ditada pelo nosso bolso (e formas de estar na vida), uma dieta variada, composta por alimentos de verdade, longe de açúcares e de alimentos "criados em laboratório", será seguramente uma forma eficaz de contribuirmos de forma positiva para a nossa saúde. Não será a única, mas talvez seja uma das que podemos, mais facilmente, controlar :)


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